"O dia acaba por passar completamente, para sempre,
e não houve canção, seja de que espécie for.
Há aqui um problema."
Samuel Beckett, Dias Felizes
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Todas as manhãs me perguntas por que não chega a canção.
Os lábios incham, fecham-se os olhos
outras vezes sangram, choram
e sabe-se lá porquê a canção não sai.
Claro que ouço melodias!
Vêm de longe, de dentro, brotam no útero, onde a vida começa
enchem corpos de bonecas, caderninhos, soltam-se de vestidos com folhos
enrolam-se em colares de pérolas, alianças, tacões altos, unhas falsas
atravessam corredores silenciosos, incendeiam écrans
metem-se debaixo das mesas, sobem à cabeceira da cama
e desaparecem
sabe-se lá porquê.
Porque a altura não é esta.
Mas procura no meu corpo.
Às vezes a canção não precisa de mim, corre solta
está à superficie da pele, cai das pontas dos cabelos
molha-me a fronte, escorre dos mamilos,
e eu tento agarrá-la, agarrá-la
para te oferecer mãos cheias de versos de amor
sentes? sentes?
o meu espelho às vezes não precisa de mim
Apanha-a tu.
Porque a altura é esta.
(Lilly Rose)
texto e imagem daqui
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